A Miss Mundo de 1970 que deu mais cor ao feminino

08/10/2020

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Memórias do feminismo britânico chegam às salas através de um evento curioso: o concurso Miss Mundo 1970, que ficou marcado por um protesto, ao mesmo tempo que nele vencia a primeira mulher negra. Mulheres ao Poder conta a história.


Inês N. Lourenço 08 Outubro 2020 — 14:42


São muitas as produções recentes que fazem uma certa apologia do feminismo - entendido em sentido lato -, ora com narrativas lideradas por mulheres ora com propósitos de mensagem escarrapachada. Mulheres ao Poder, de Philippa Lowthorpe, entra nesta segunda categoria mais simples, e, no caso, simplista, tendo a seu favor o facto de pegar num momento insólito que, apesar de ter feito manchetes em todo o mundo, não ficou propriamente vincado na memória coletiva. Trata-se do concurso Miss World 1970, que apanhou com as travessuras de manifestantes feministas londrinas imiscuídas na plateia do Royal Albert Hall, numa edição que conferiu a primeira vitória a uma mulher negra, a Miss Granada Jennifer Hosten.


Esta "curiosidade histórica" será o ponto de interesse do filme de Lowthorpe, que reúne Keira Knightley e Jessie Buckley (a irlandesa que não tem saído do radar, protagonista de Tudo Acaba agora, de Charlie Kaufman) na frente do movimento de emancipação feminina e, do outro lado da barricada, Gugu Mbatha-Raw, na pele da concorrente triunfante que baralha o discurso das primeiras com o argumento: imaginam o significado de uma coroação destas para as meninas de cor de todo o mundo?


O conflito interno de Mulheres ao Poder reside nesse contraste entre aquelas que, lutando contra os padrões da sociedade patriarcal, viam no concurso o exemplo acabado da objetificação da mulher, e as poucas concorrentes negras que encontravam neste uma plataforma para mostrar a outras jovens que era possível sonhar alto, independentemente da cor da pele. Algo que acaba por revelar o equívoco do banal título português, porque não estamos perante nenhuma manobra de "empoderamento", mas tão-somente uma manifestação e um desejo de igualdade. O título original, Misbehaviour (em tradução exata, "mau comportamento"), condensa melhor a ideia que se quer passar.


Com efeito, a personagem de Jessie Buckley encarna aqui a rebelde que põe tudo a mexer com os seus graffiti, cartazes e desafio da autoridade, no extremo oposto de Keira Knightley, uma estudante de História da Universidade de Londres que lida ponderadamente com os olhares desconfiados dos colegas homens nas conversas académicas e que, em casa, vê a sua filha, incentivada pela avó, a ganhar os vícios da cultura televisiva que promove a "mulher de passarela". Ela, sim, é a voz segura das feministas, porque tem tato discursivo e uma visão moldada pelo contexto da classe média... Embora no momento de atirar sacos de farinha a um dos apresentadores desse ano do Miss Mundo - o popular comediante Bob Hope (Greg Kinnear) - toda a falta de bom senso seja bem-vinda.


Antes do culminar de Mulheres ao Poder nesse episódio pícaro, Lowthorpe faz um apanhado dos bastidores do concurso, das sérias questões políticas internacionais envolventes, enfim, de todo o jogo de glamour e verniz que quebrou num instante de protesto pioneiro. E, no entanto, não foi tão pioneiro como se quer fazer passar. Entenda-se: teve o seu brilho momentâneo, mas é exagerado dizer, como se afirma num apontamento final, que esta breve manifestação colocou o movimento feminista "no mapa"... Menos, muito menos.


Na pressa de fazer o elogio das mulheres de ambos os lados, o filme não consegue senão servir-se de clichés para ilustrar o mais básico manual pop do feminismo, desde a pergunta primária "o que significa ser mulher?" ao enxerto do Respect de Aretha Franklin na banda sonora, sem explorar as zonas de ambiguidade ou desconstruir os lugares-comuns que concorrem para o retrato arrumadinho de um capítulo verídico. Por vezes dá mesmo a sensação de não haver uma definição de tom; podia pender para a comédia e tirar partido do ridículo, mas fica-se por uma ligeira iluminação dos acontecimentos em nome da referida curiosidade histórica.


https://www.dn.pt/cultura/a-miss-mundo-de-1970-que-deu-mais-cor-ao-feminino--12887414.html


 

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