Além do que se vê

18/12/2006

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18.12.06
Além do que se vê
A história dos concursos de miss contada por mulheres que descontrõem o mito de beleza sem conteúdo


por Guilherme Fogaça e Mônica Rossi


“Ela sabe falar!” Essa foi a conclusão a que chegaram os apresentadores do programa “Almoço com os Artistas”, da TV Tupi, em 1977, ao perguntarem se a convidada poderia dar uma entrevista. Apesar da surpresa, a participante não era uma criança na fase de aquisição da linguagem, e sim a recém eleita representante do Brasil para o Miss Mundo, Madalena Sbaraini. O espanto, no entanto, não partiu apenas dos apresentadores. A frase, de tão óbvia, também chocou a candidata. Com 20 anos na época, Madalena trancou o curso de comunicação na PUC-RS para representar o Rio Grande do Sul no Miss Brasil. Sua única tarefa era desfilar de maiô e trajes de gala para as milhares de pessoas que assistiam ao concurso pela TV. Ela se saiu bem: conquistou a segunda colocação, o que a tornou representante do país no Miss Mundo, em Londres. Lá, a tarefa não era tão simples. Além da beleza, Madalena afirma que o concurso testava a capacidade de comunicação e a inteligência das concorrentes. “A miss que é só bonita pode passar aqui no Brasil, mas chega lá fora e não fica entre as cinco finalistas, porque culturalmente não está preparada. No Miss Mundo, eu estava sendo avaliada até quando um repórter aparecia para me entrevistar.”


Esse mesmo concurso que exigia mulheres com preparo e bons conhecimentos também mantinha uma atitude indelicada: a bolsa de apostas. Pessoas do mundo inteiro podiam apostar suas fichas nas candidatas ao título. “Eu fui a mais apostada em toda a história do Miss Mundo, mas já na época me manifestei desconfortável com essa situação.” Ao colocar as mulheres em páreos, como se fosse uma corrida de cavalos, o Miss Mundo abriu espaço para protestos de grupos feministas em defesa dos direitos das mulheres. “Durante o concurso, vivenciamos a revolta de algumas feministas. Elas chegaram a quebrar os vidros do hotel onde estávamos”, conta Madalena. Já naquela época, muitos valores defendidos pelo concurso eram considerados ultrapassados. Beleza, simpatia e etiqueta já não eram suficientes para representar as mulheres modernas, afinal, elas estavam conquistando seu espaço no mercado de trabalho e deixavam de ser apenas coquetes. Por isso, o Miss Mundo foi banido do Reino Unido em 1988.



"Foi um marco mesmo. Quando eu fui para o Miss Brasil, eu não tinha nem telefone, então eu coloquei o número de uma vizinha para contato" - Deise Nunes, única negra a vencer o Miss Brasil


Enquanto os europeus condenavam o concurso e reconheciam o novo papel da mulher na sociedade, o Brasil engatinhava quebrando os primeiros tabus. Em 1986, Deise Nunes foi coroada Miss Brasil – a primeira e única negra a vencer o concurso. Naquela época, a competição começava seu processo de “espetacularização” ao ser realizada pelo SBT. “Todo mundo reclamava que o Silvio era um cafona. Pelo menos as pessoas assistiam e todos sabiam quem era a Miss”, pondera Deise Nunes.


Depois de 1989, quando o SBT deixou de organizar e transmitir seu “show”, o concurso entrou em decadência. Não havia mais transmissão ao vivo e as misses, na verdade, viviam quase no anonimato. Quem trouxe o concurso novamente às paginas dos jornais foi a gaúcha Juliana Borges. Em 2001, ela atraiu a atenção ao vencer o concurso Miss Brasil após retocar a silhueta com 19 cirurgias plásticas, patrocinadas pelos organizadores gaúchos do concurso. Juliana causou furor na imprensa e entre os envolvidos no concurso. Em sua participação no Miss Universo, foi muito criticada, inclusive pelos organizadores do evento. Junto com a projeção de seu nome, surgiu a discussão sobre o aperfeiçoamento da beleza das misses através das plásticas. “Há vinte anos nem se falava disso. O máximo de recurso que nós usávamos era maquiagem. Acho que hoje isso é válido. As coisas mudaram e as misses têm que evoluir também”, afirma Deise Nunes. Cinco anos já se passaram desde a coroação de Juliana Borges, mas ainda não há consenso em relação ao limite das intervenções do bisturi. “Eu acho que as pessoas perderam um pouco do controle entre o belo e o exagerado. Você submeter uma menina de 18 anos a tantos procedimentos cirúrgicos, a fim de buscar a perfeição, às vezes estraga”, diz Maria Fernanda Schiavo, Miss Brasil Beleza Internacional 2000.



"O que eu conseguia em publicidade era por mim mesma. Em São Paulo, as pessoas não gostavam muito de trabalhar com misses. O que faziam era colocar a miss na capa da Nova, por exemplo. Porque a Nova era mais peru" - Madalena Sbaraini, Miss Brasil 1977


A vitória de Juliana Borges trouxe a discussão sobre as candidatas “fabricadas” por especialistas. Foi assim que o trabalho do missólogo Evandro Hazzy veio à tona. “Missólogo é um estudioso de misses. Já existe há 52 anos. São representantes que estudam as novidades que poderão ser aplicadas às candidatas”, diz o gaúcho, um dos missólogos mais populares do meio. Quanto à responsabilidade pelas cirurgias de suas pupilas, ele afirma que se trata apenas de uma sugestão. “A gente não obriga. Apenas diz: ‘Você fica melhor assim’. Opta pela cirurgia quem quer”.


A partir de 2002, o concurso voltou a ser televisionado. Desde então, a idéia é revitalizar a competição. Mesmo assim, velhos questionamentos permanecem. A superficialidade do formato, ainda baseado nos desfiles e na famosa pergunta final, reforça o antigo estigma de beleza sem conteúdo. Presas a esse modelo, as candidatas não conseguem desfazer o estereótipo de fútil. “Algumas pessoas denegriram a imagem de algumas meninas e algumas meninas denegriram a própria imagem. Com isso, acabou surgindo o preconceito de que Miss é isso ou aquilo”, explica Maria Fernanda.



"Ser modelo não é o meu mercado. Foi legal por um tempo, mas eu não tenho paciência. Agora estou fazendo o que eu queria" - Maria Fernanda, de miss a gerente de banco


A seriedade do concurso também fica comprometida pela falta de profissionalismo com que é realizado. Entre os integrantes do júri, por exemplo, estão representantes de empresas patrocinadoras, sem nenhum conhecimento técnico. “Eu sempre defendi que o júri deve ser formado por pessoas que trabalham na área da beleza. Até porque, em um júri formado por muitos homens, a tendência é que eles votem na candidata que eles levariam para a cama”, afirma Deise Nunes.Apesar do preconceito, os concursos de Miss criam, de fato, novas oportunidades para as vencedoras. “Quem disser que beleza não ajuda a abrir portas está mal informado”, sustenta Maria Fernanda. A opção mais comum é aproveitar a repercussão do concurso para investir na carreira de modelo ou atriz. No entanto, nem todas escolhem esse caminho. Muitas misses seguem carreiras totalmente distintas e garantem o sucesso profissional com qualidades que vão além da beleza. Mas, independente da profissão escolhida, o legado do reinado se fará presente e, mais uma vez, elas terão que provar que não são apenas um rosto bonito.


Vida de Miss


Maria Fernanda Schiavo, Miss Brasil Beleza Internacional 2000, é uma das vencedoras dissidentes do mundo da moda. Hoje, com apenas 24 anos, ela é gerente do Banco Santander em Porto Alegre, e quer terminar o curso de Administração de Empresas. O interesse não vem de agora: antes do concurso, ela trabalhou na área administrativa da rádio de sua família, no interior do estado. Além disso, já se formou em jornalismo e trabalhou como radialista durante a adolescência. Agora, o foco é na carreira de administração, e os trabalhos de modelo ficaram de lado. “Ser modelo não é o meu mercado. Foi legal por um tempo, mas eu não tenho paciência. Agora eu estou fazendo aquilo que eu queria.”



Deise Nunes tinha apenas 18 anos quando sua mãe a inscreveu no concurso para Miss Rio Grande do Sul. A participação foi tranqüila, já que ela trabalhava como modelo desde os 14 anos. Mas, mesmo assim o ano em que ostentou a faixa de Miss Brasil mudou sua vida. “Foi um marco mesmo. Quando eu fui para o Miss Brasil, eu não tinha telefone, então eu coloquei o número de uma vizinha para contato.” Depois de passar a coroa para a Miss 1987, Deise seguiu com a carreira de modelo, apresentou um programa de variedades na TV Bandeirantes, casou, foi mãe, e agora divide seu tempo entre a família e um programa de televisão voltado para ações de voluntariado chamado Terceiro Setor.


Foi preciso trancar o curso de Comunicação para que Madalena Sbaraini representasse os gaúchos no Miss Brasil 1977. Sua carreira de modelo já estava firmada mesmo antes do concurso. “O que eu conseguia em publicidade era por mim mesma. Em São Paulo, as pessoas não gostavam muito de trabalhar com misses. O que faziam era colocar a miss na capa da Nova, por exemplo. Porque a Nova era mais perua.” Depois do Miss Mundo, Madalena continuou a trabalhar como modelo, morou em Viena por um ano e fez várias participações em programas de televisão da época. Em 1982, ela se casou e abriu um café na capital paulista. Atualmente, de volta ao Rio Grande do Sul, Madalena usa os belos traços de sua letra como ferramenta de trabalho e tem se realizado como calígrafa.


Assim como Maria Fernanda, Deise e Madalena, outras misses quebraram o preconceito de que elas não possuem nenhuma qualidade além da beleza. Lúcia Petterle, Miss Mundo 1971, renunciou ao título para seguir a faculdade de medicina. Irene Saez, Miss Universo 1981, foi prefeita da cidade de Chacao e recentemente se candidatou à presidência da Venezuela. A atriz Hally Berry foi Miss Estados Unidos 1986. Até Sophia Loren já participou de concursos de Miss!


Algumas mulheres contribuíram para a fama de que Miss é sinônimo de futilidade. Confira algumas pérolas retiradas da Internet:


Se houvesse um holocausto nuclear, qual casal você escolheria pra preservar e multiplicar a raça humana? O Papa e Madre Teresa de Calcutá." Carolina Zuñiga, durante concurso de Miss Chile 2000


Se você pudesse viver para sempre, você o faria e por quê? Eu não viveria para sempre porque não deveríamos viver para sempre, porque se se supusesse que deveríamos viver para sempre, então viveríamos para sempre, mas não podemos viver para sempre, e é por isso que eu não viveria para sempre. Miss Alabama no concurso Miss América 1994


Que personagem você gostaria de conhecer? Definitivamente eu gostaria de conhecer a Lady Dy... Infelizmente ela morreu. Miss Cauca no concurso Miss Colombia 2000


https://revista-sextante.blogspot.com/2006/12/alm-do-que-se-v.html


 

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