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14/07/2020VIVIANE BECKER (SOCIAL)
Foto: Acervo Fotográfico Museu Dom Diogo de Souza /Fat Urcamp
Da sacada da casa do Dr. Camilo Gomes, Martha Rocha saudou o povo bajeense
Na semana em que se comemora o aniversário da Rainha da Fronteira, é bom lembrar dos acontecimentos marcantes que ocorreram por aqui, como a visita de Martha Rocha a Bagé. Admirada e idolatrada pelo povo brasileiro, o ícone da beleza feminina no país, Martha Rocha, a primeira Miss Brasil, faleceu no início deste mês, aos 87 anos, em Niterói, no RJ. Poucos sabem que Bagé teve a honra de recebê-la em maio de 1955.
O adeus de Martha Rocha fez com que nossa reportagem voltasse no tempo, para relembrar os momentos vividos pela família do Dr. Camilo Gomes, que hospedou aquela que foi considerada a mulher mais linda do Brasil, e que ficou famosa mundialmente pelas supostas polegadas a mais do quadril que lhe tiraram das mãos o título de Miss Universo.
Martha era sinônimo de beleza, carisma e elegância. Qualidades confirmadas e enaltecidas por Regina Gomes Macedo, a filha do Dr. Camilo e da Maria Grillo Gomes, que contou detalhes dos momentos vividos ao lado da linda Miss em Bagé, em 1955, e em 2000, quando se reencontraram em SC.
Dr. Camilo acompanhando a esposa Maria Grillo Gomes enquanto ela costurava o vestido da Martha Rocha pouco antes do baile de gala - As imagens que constam nessa matéria integram o acervo do Museu do Dom Diogo de Souza Fat/Urcamp que é guardador da história do Dr. Camilo Gomes. A família cedeu imagens e documentos que contam toda a trajetória dele, tanto da vida profissional como médico, tanto política, compondo uma coleção de extrema relevância para a história de Bagé e para a fototeca Túlio Lopes. Foto: Acervo Fotográfico Museu Dom Diogo de Souza /Fat Urcamp
Recebida com carinho pelos bajeenses
A Miss Brasil tinha o compromisso de, durante um ano, realizar trabalho social, divulgando o país em diversas cidades. Na época, Bagé tinha uma entidade nacional de auxílio aos desabrigados e Às ações sociais chamada de Legião Brasileira de Assistência. Regina conta que cada Estado tinha uma presidente e, normalmente, o posto era ocupado pela esposa do governador. "Nesta época, mamãe era um expoente máximo da cidade em trabalho de ação social, trabalhava em várias entidades e locais. Papai também, apesar de ser um médico renomado e muito benquisto, era vereador e presidente da Câmara. Por isso, minha mãe foi nomeada, pelo governador do RS, para ser a presidente da Legião Brasileira de Assistência do nosso Estado", recorda.
A vinda aqui foi organizada pela equipe do Ministério do Turismo, que fazia a programação da viagem. Então, quando surgiu a oportunidade dela vir ao Rio Grande do Sul, naturalmente foi destinada a cidade onde tinha a Legião Brasileira de Assistência, no caso, Bagé.
"Depois que foi eleita Miss Brasil, ela fez um enorme sucesso em todo o país. Era grande a torcida para que Martha fosse Miss Universo", recorda Regina, que no auge dos seus 15 anos, pode acompanhar a Miss Brasil durante três intensos dias.
Sobre o Miss Universo, Regina menciona que a jovem contou sobre a realidade do que ocorreu no concurso, quando perdeu o título para Miss EUA. "De fato, ela nos confessou, aqui, que as duas polegadas a mais nos quadris tinha sido só uma maneira de despistar o Brasil, pois, no ano anterior, a Miss EUA havia sido muito prejudicada. Quando pisou em solo brasileiro, foi bem recebida, apesar de voltar como injustiçada", comenta.
"Foi muito intensa a passagem da Martha aqui em Bagé. Foi um acontecimento importante na cidade. O aeroporto ficou lotado, o povo espalhado pelas ruas, foi espetacular. Sempre dizia que das cidades do interior que ela havia passado, em poucas haviam sido tão bem recebida como aqui, em Bagé. Martha era uma pessoa muito simples, agradável, simpática, querida e sem frescuras. O dia que ela chegou teve uma carreata, ela ficou hospedada na nossa casa, localizada na Rua Salgado Filho. O aposento preparado para ela foi o meu quarto, que tinha uma sacada na frente. Logo ao chegar a casa, quando abriu a janela, viu o povo toda na rua. Martha saudou o público, todos gritavam seu nome, foi delirante. Foram três dias de uma intensa programação, onde ocorreram vários eventos sociais, todos beneficentes. As pessoas compravam ingressos para os bailes e coquetéis. Todo o dinheiro foi para a Legião Brasileira de Assistência. A Miss veio com uma equipe grande no avião, cerca de 20 pessoas entre cabeleireiros, maquiadores e a imprensa nacional, além de inúmeros fotógrafos que a acompanhavam para fazer as reportagens", conta.
Um acontecimento para Bagé em 1955. Foto: Acervo Fotográfico Museu Dom Diogo de Souza /Fat Urcamp
Uma beleza esfuziante
"Ela era uma mulher linda, uma baiana loira de olhos azuis, descendente de holandeses, com um corpo perfeito. Tomava conta dos locais por sua beleza esfuziante", recorda.
Regina menciona com grande emoção da oportunidade que teve de conviver com a mulher mais bela do Brasil. A filha do Dr. Camilo também era uma linda jovem que fazia bonito nas passarelas. Em setembro de 1954, foi eleita Rainha dos Estudantes de Bagé e, em outubro, Rainha do Estado. Entre 1954 e 1955, também aconteceram seus primeiros desfiles de moda como manequim, onde exibia modelitos da alta costura assinados por Nair Barcellos, de Bagé, e os chapéus do consagrado estilista gaúcho Rui Spohr.
"Acompanhei todos os eventos, apesar de não lembrar de muitos detalhes, pois faz muito tempo, mais de 65 anos. Recordo de um coquetel e um baile de gala no Clube Comercial e outro no Clube Caixeiral, em homenagem a ela. Tudo maravilhoso, os clubes superlotados, Martha desfilou lindamente, sempre muito gentil e agradecendo as homenagens. Em um almoço realizado lá em casa, ela mencionou o desejo de comer um típico churrasco gaúcho. Meu pai mandou fazer e, na ocasião, meu irmão menor, o Eduardo, entregou o presente em nome do meu pai, uma faca de prata com o nome dela e a data, como lembrança da cidade. Durante a estada, aconteceram situações íntimas, que recordo bem. Ela adorava uísque, mas bebia escondido, pois não deixava tirar fotos deste momento. Eu no auge dos meus 15 anos, ficava abismada, mas ela era mais velha, tinha 21. Curtimos momentos especiais de muitas emoções. Foram dias incríveis que vivemos em função dela. A bela saia do quarto às 11h da manhã já produzida, depois de ser arrumada pelas maquiadoras e cabeleireiras. Aqui deu muitas entrevistas para os jornais e rádios locais, além dos registros da imprensa fabulosa que a acompanhava. Outro fato que recordo, que pouco antes do baile de gala no Comercial, ao descer a escada em nossa casa, ela enfiou o salto do sapato na barra do vestido e rasgou e nessa hora o pessoal da equipe já havia saído. Martha sentou na copa, perto da cozinha e a mamãe costurou a barra do vestido, no corpo dela. A Miss achou a coisa mais natural do mundo. No dia 20 de maio foi a despedida dela de Bagé, uma data memorável para mim. Foi nesse dia que comecei a namorar o meu marido Luis Mario Macedo; ele foi ver a Martha Rocha e se bateu comigo. A saída dela da cidade também foi esfuziante, com carreata até o aeroporto, onde ela seguiu em carro aberto. Quando chegamos lá tinha uma multidão. Assim ela se despediu de Bagé, encantada com a cidade", conta.
Martha Rocha com sua anfitriã Regina Gomes Macedo prontas para o baile
Foto: Acervo Fotográfico Museu Dom Diogo de Souza /Fat Urcamp
A amizade de Martha e Regina
A relação de amizade entre a bajeense e a baiana se manteve durante muitos anos. "Continuamos nos correspondendo durante um longo período. Ela sempre recordava de tudo que viveu aqui e do carinho recebido. Perdemos temporariamente o contato quando ela casou com um banqueiro milionário e saiu do país, mas ele acabou morrendo muito jovem em um desastre de avião. Ela ficou com dois filhos pequenos e retornou ao Brasil, viúva, com apenas 23 anos. Em seguida, namorou um cara da alta sociedade do Rio de Janeiro e casou com ele. Foi um acontecimento importante, inclusive recebemos o convite para a festa e para a cerimônia. Ela teve outra filha, com o segundo marido. Martha foi uma mulher que viveu o brilho da fama, com um corpo e uma beleza física fora do comum, que se manteve por toda a vida, mas não foi uma pessoa feliz, sofreu muito nos casamentos que não deram certo", avalia.
Muito tempo depois, por volta dos anos 2000, Regina trabalhava na Rede Plaza de Hotéis, em Itapema/SC, e soube que a amiga faria uma exposição de arte em Blumenau. Regina conta que Martha confessou a ela que sofreu um grande desgosto quando a filha optou por morar com o pai e, por isso, passou a se dedicar à pintura. A exposição de arte em Blumenau foi organizada por sua amiga, a atriz Vera Fischer, que é natural de SC. "Fui a Blumenau encontrá-la, foi a última vez que conversamos. Ela continuava linda, perguntou quantas plásticas eu havia feito, contou que fez várias, sempre com Ivo Pitanguy, que fazia milagres. Ela estava tristonha, relatou que teve problemas com bebida, e que havia feito tratamento. Não estava mais esfuziante como era, apesar de bem apresentada, bem vestida e arrumada. Martha teve o apogeu, que durou anos e anos, mas foi uma pessoa que sofreu bastante no fim da vida. Agora, após sua morte, todos ficaram sabendo, que morreu pobre em um asilo", lamenta a eterna amiga da Miss.
Regina Gomes Macedo recorda a emoção que viveu há mais de 65 anos. Foto: Acervo Fotográfico Museu Dom Diogo de Souza /Fat Urcamp
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