Nicarágua. Miss Universo Sheynnis Palacios anima os símbolos da resistência contra Ortega e Murillo

25/11/2023

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Nicarágua. Miss Universo Sheynnis Palacios anima os símbolos da resistência contra Ortega e Murillo


25 Novembro 2023


A coroação da jovem, que participou nos protestos de 2018 e recebeu críticas de líderes sandinistas, colocou o regime numa posição desconfortável.


A reportagem é de Wilfredo Miranda, publicada por El País, 23-11-2023.


Apesar de ser uma das candidatas favoritas ao Miss Universo 2023, na noite de 18 de novembro em El Salvador, na reta final do concurso, os missólogos não colocaram a Miss Nicarágua Sheynnis Palacios na transmissão ao vivo. Porém, a jovem avançou em todos os cortes até ficar diante da tailandesa Anntonia Porsild. Para uma miss da América Central, especialmente da Nicarágua, só isso foi suficiente. Mas naquela noite houve mais do que diamantes e flores para esta jovem de 23 anos. Os dois seguraram as mãos e fecharam os olhos enquanto esperavam pelo veredicto. “Nicaráguaaaaaa”, revelou uma voz com sotaque anglo-saxão. Dois países mais a sul, uma nação colada à televisão, explodiram em alegria e lágrimas.


Foi, até certo ponto, algo comparável a vencer uma Copa do Mundo para os nicaraguenses. Uma conquista planetária nunca antes alcançada. Imediatamente saíram em massa pelas ruas de várias cidades para celebrar a conquista do cetro de beleza nas mãos de uma jovem trabalhadora – e na qual milhares de jovens se viam refletidos – pela sua história de vida: ela vendia buñuelos (sobremesa à base de mandioca e requeijão) para poder pagar a universidade.


As principais estradas de Manágua, capital do país, estavam lotadas de caravanas e o estado policial, que desde os protestos de 2018 mantém uma proibição estrita de qualquer manifestação pública, foi reduzido naquela noite e durante toda a madrugada. Uma celebração unânime em que a bandeira da Nicarágua voltou a hastear, apesar da criminalização que o regime de Daniel Ortega e Rosario Murillo lhe impôs.


“Quase todas as manifestações coletivas na Nicarágua são proibidas e, nesse sentido, até a pólvora usada em festas de todas as classes sociais é proibida. É proibido cantar o hino em espaço público. É proibido sair de casa sem autorização governamental. A população permitiu-se encontrar uma questão, que aparentemente não era política, para politizá-la. E saem os foguetes, saem as bandeiras, sai a população. “São sinais de resistência”, afirma o sociólogo e analista político Juan Carlos Gutiérrez Soto, exilado na Costa Rica.


O regime fica numa posição desconfortável


A coroação de Palacios colocou o regime sandinista, especialmente o seu aparelho de propaganda, numa posição desconfortável. Dias antes do concurso, a Miss Nicarágua foi alvo de ataques aos programas cor-de-rosa do Canal 13, dirigidos pelos filhos do casal presidencial. A apresentadora Francelyz Sandoval chamou a jovem de “Miss Buñuelos”, menosprezando os negócios da família da agora Miss Universo.


No entanto, o que mais irritou o partido no poder foi uma foto viral em que Palacios é vista com bandeiras azuis e brancas ao lado do cantor e compositor nicaraguense Carlos Mejía Godoy, participando das marchas cívicas que ocorreram no país durante a rebelião de 2018. Elas começaram chamá-la de “Senhorita Tranquera”, em referência às barricadas erguidas naquele ano pelos manifestantes para se protegerem das incursões da polícia e dos paramilitares que deixaram mais de 350 pessoas assassinadas.


O deputado sandinista e ex-advogado da infância Carlos Emilio López manteve campanha em suas redes sociais contra Palacios. Após a coroação, ele apagou as publicações mas já havia prints de seus ataques. O partido no poder tentou esconder o seu duplo padrão enviando Fidel Moreno, um dos homens de maior confiança do casal presidencial, e também os prefeitos de Manágua com buquês de flores, para a casa da família da recém-nomeada Miss Universo, na noite de sábado.


Para dois sociólogos exilados nicaraguenses que acompanharam estes acontecimentos, é difícil separar um fato de tamanha relevância pública do político e social, especialmente num país que sofreu uma crise sociopolítica tão longa sofrida pela sua juventude. Outra foto da Miss Nicarágua que se popularizou foi mais recente, deste ano: ela exibiu com orgulho seu diploma universitário em Comunicação Social, obtido graças a uma bolsa da Universidade Centro-Americana (UCA), fechada e confiscada pelo governo apenas em agosto passado, deixando mais de cinco mil estudantes no limbo.


“Em sistemas fechados como o da Nicarágua, as formas de expressão sobre opinião, satisfação, raiva, desconforto ou simples comentários sobre o que acontece diariamente num sistema repressivo, levam a acontecimentos aparentemente inócuos nos quais não tem necessariamente qualquer carga politizada, são utilizados pelos cidadãos para expressarem as suas posições que de outra forma não conseguiriam”, insiste Gutiérrez Soto e cita o exemplo dos estudantes universitários que em 2018 saíram às ruas para reclamar do incêndio da Reserva Indio Maíz. Um movimento social que foi o prelúdio do protesto social massivo de abril desse ano, e que colocou o regime em xeque.


No dia seguinte, domingo, o governo emitiu um comunicado oficial – que não foi assinado por Ortega nem Murillo – parabenizando o reinado de Palacios. “A Nicarágua celebra com legítimo orgulho e alegria a coroação de Miss Universo para sua bela representante, Sheynnis Palacios”, diz. No entanto, os esforços do regime para ocultar o seu duplo discurso foram duramente criticados pelos nicaraguenses nas ruas e nas redes sociais.


Uma publicação no Twitter do jornalista esportivo e político exilado Miguel Mendoza, no domingo, evidenciou ainda mais a posição ambígua do governo: anexou uma comunicação da Direção de Imigração e Imigração na qual foi negada a Palacios a entrada no país. No entanto, ele sustentou que após o erro vencer a disputa, a decisão foi revogada.


Celebração do reinado: “golpe destrutivo”


“O regime realmente não tem capacidade de impor o seu discurso e as suas narrativas. Ele não é capaz de manipular os sentimentos das pessoas”, diz ao EL PAÍS a socióloga Elvira Cuadra, também desnacionalizada pelo governo. “É por isso que hoje [quarta-feira] Rosario Murillo emite outro comunicado no qual fala de ‘tentativas maliciosas de manipulação do acontecimento’, quando na realidade a manipulação partiu do regime”.


O comunicado lido pela “copresidente” Murillo pede com muitos epítetos que “os vaidosos, os malucos [...] parem de manipular os triunfos merecidos de uma menina bonita para esconder sua insignificância e incapacidade, e nublar, com suas ilusões ridículas e cafonas, nossas águas abençoadas”.


O que Murillo disse ocorreu 24 horas depois que o governo ordenou a censura de um mural em homenagem a Palacios na cidade de Estelí. A polícia obrigou os artistas Kevin Laguna Guevara e Oscar Danilo Parrilla Blandón, conhecidos como Vink Art e Torch Místico, a pintarem de branco a parede com o rosto da Miss Universo sob pena de prisão. Os meios de comunicação locais também citaram fontes de diversas instituições públicas que afirmaram que os seus superiores lhes deram uma ordem “verbal” para não celebrarem o triunfo do modelo. Por sua vez, um dos porta-vozes do governo, Marcio Vargas, sustentou que “aquele que serve os interesses dos Estados Unidos não pode ser vivido como um autêntico feriado nacional [...]”.


Do lado dos críticos do regime, a coroação de Palacios é vista como um fato histórico que oxigena simbolicamente um país mergulhado no desespero desde 2018, devido à perseguição política e à crise econômica que empurrou quase 700 mil pessoas para outros países, especialmente os Estados Unidos e a Costa Rica.


“Para a população sair às ruas e ver que é possível fazer alguma coisa, dizer que nem tudo está perdido, injeta esperança numa população que viveu cinco anos de repressão constante. É um bálsamo, uma alegria diante de tanto estresse e dor… Além disso, uma oportunidade de demonstrar insatisfação por meio de símbolos proibidos que mostram sua resistência”, continua o sociólogo Gutiérrez Soto.


Porém, diante desses comentários, a “copresidente” Murillo foi enfática em sua declaração: “Nestas horas e nestes dias de novas vitórias vemos o uso rude, e a comunicação terrorista grosseira e maligna, que visa transformar um belo e merecido momento de Orgulho e Celebração, num golpe destrutivo, ou num regresso, claro que impossível, às práticas desastrosas, egoístas e criminosas daqueles que, como vampiros e aproveitadores, usaram o Povo, o Povo Bens, Patrimônios Naturais, Culturais, Legítimos do Povo Nicaraguense”.


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