14/12/2019
A deusa grega Afrodite, a norte-americana Barbie ou a garota de Ipanema de Vinicius de Moraes?
KENIA MARIA 14 DEZ 2019 - 08H08
Zozibini Tunzi: Miss Universo (Foto: FOX Image Collection via Getty Images)
A relação entre mulheres negras e brancas no período da escravidão no Brasil e nos Estados Unidos, é mostrada em duas obras primas que marcharam a história – o renomado romance “Um defeito de cor”, de Ana Maria Gonçalves, e “Doze anos de escravidão”, filme baseado no livro homônimo de Solomon Northup -, duas passagens me chamaram a atenção. Diferentemente do que contam os livros de escritos por alguns romancistas brancos, a reação das mulheres brancas quando identificavam a beleza em suas “escravas” não era nada saudável, amoroso e cordial.
Mulheres negras eram amordaçadas, tinham os olhos arrancados. Castigos físicos e psicológicas motivadas por ciúme e ódio quando percebiam beleza e o conhecimento no corpo negro, eram também comanda por mulheres. Brancas.
Como acontece na cena do filme “12 anos de escravidão" onde a sinhá rasga o rosto de Patsey com um pedaço de vidro, personagem de Lupita Nyong’o, quando descobre a paixão de seu esposo pela mucama. A relação entre mulheres negras e brancas ainda é extremamente vulnerável e na maioria das vezes abusiva quando o debate sobre racismo ainda é um constrangimento.
A branquitude sabe quais partes dos nossos corpos as interessam. Desejam nossa bunda e nossa boca, da mesma forma que desejam o marfim do elefante, a pele da raposa. Ela pode comprar e dizer que é dela. O exótico não precisa ser belo, pode ser chique.
Não é uma relação de troca de cultura como insistem dizer alguns historiadores. Pessoas brancas costumam ter reações estranhas e comportamentos descompassados quando tentam admirar uma pessoa negra. Fica claro que a nossa beleza para eles ainda é uma surpresa. Não esperam a beleza em corpos negros. Acreditam tanto no que contam aos seus filhos que quando estão diante de mulheres como Lupita, Erika Januza, Isa e Zozibini Tunzi, não sabem o que fazer.
Zozibini Tunzi, a Miss Universo (Foto: Getty Images )
Já no campo das ideias, as mulheres brancas, mesmo quando sente imensa admiração por nós, têm grande dificuldade de reconhecer nossas produções intelectuais. A pele negra da Miss Universo Zozibini Tunzi lembra a pele da Erika Januza, Cris Vianna, Dani Ornellas, e outras pouquíssimas negras retintas que existem e resistem no audiovisual brasileiro. É bem provável que a Érika e Isa estejam entre as mulheres mais bonitas do Brasil e ninguém sabe. A beleza foi sequestrada.
O amor não pertence ao cristianismo, assim como a beleza não pertence à branquitude. Na realidade, as duas coisas não pertencem ao cristianismo. Não preciso dizer que o cristianismo é branco, isso não é uma questão, é um fato. Jesus é negro, mas o cristianismo é branco.
Apesar de a história provar que seria impossível Jesus ser parecido com um Deus grego, para ser apresentado ao mundo o filho de Deus precisou fazer baby lease, clareamento de pele e usar lentes de contato azul. Zozibini Tunzi aproveitou para dizer ao universo que o tal Joãozinho nunca foi dono do cabelo curto. Isso é só mais uma ideia machista. Meninas usam cabelo longo e meninos cabelo curto, meninas vestem rosa e meninos vestem azul. Você acredita nessa cafonice sexista?
Não sei a quem pertence a beleza, mas sei que não pertence à Barbie, à Marilyn Monroe. De uma coisa eu tenho certeza: a beleza negra pode ajudar a melhorar o mundo e nos devolver a beleza que foi sequestrada.
https://vogue.globo.com/Vogue-Gente/noticia/2019/12/quem-sequestrou-beleza.html